Mateus foi um bom companheiro de veraneio, sempre bem apresentado, roupa combinando com chinelos ou "crocs", levava os cabelos castanhos claros arrumados, os olhos vivos e a palavra fácil. Falava de muitas coisas, a grama, a energia eólica, e os personagens dos desenhos ocupavam grande parte dos diálogos, mas nada era mais incidente que seu tema preferido: ventiladores, e se fossem de teto, ainda mais. Também interagi com Leo, loiro, bonito, menos falante, mas muito preocupado com sua família, em particular com a mãe, tema que fazia com que ele relatasse coisas do cotidiano doméstico e me questionasse sobre minha mãe e a relação mãe-filho em geral.
Um dia, estava arrumando o carro, quando surgem o Mateus e o Leo se prontificando a me ajudar. Leo estava particularmente silencioso, sentou-se num banco e falou: hoje terei que falar com minha mãe com a mão na testa. Olhei-o desconfiada e perguntei: por quê?
Ele, encabulado, respondeu: "olha, Carmen! Andei aprontando para a família e não posso contar, ficarei marcado para sempre!"
Sem entender a gravidade da situação, e sem que dissesse nada, ele pediu sugestão de como agir. Aí, falei: "e se tu falasses antes com teu pai, talvez ele possa falar com tua mãe por ti, ou ir contigo falar com ela, ou sugerir como falar".
Gostou da ideia e completou: se eu te contar o que fiz, não importa o que for, tu segues minha amiga?
Ao confirmar que sim, respirou aliviado e veio: "quebrei a urna com as cinzas da vó, elas seriam jogadas no mar amanhã e as tias já chegaram". Aí, completou: "sabes, aprendi que quando a gente fala com a mãe, as coisas aparecem escritas na testa, se eu falar a verdade vai dar mal, se mentir aparece na testa, 'tô robado', vai ser um mico, afinal esta semana faço aniversário, sou um homem né, vou fazer 4 anos e podia passar sem esta!"
Ri por dentro, desviei o olhar e me tranquilizei quando Leo se levantou, deu "tiau", e se foi.
Com sua saída, Mateus, que estava ali, me interrogou: "Carmen! Eu também vou fazer 4 anos em fevereiro, será que a minha mãe lê as coisas na minha testa?". Sem saber o que dizer, dei a dica: "pergunte para ela."
Esses dois me levaram a resgatar a pureza, a inocência, a energia da vida nova, me renovaram a crença nos valores, no respeito, na educação e na confiança nas palavras dos pais.
Lembrei da minha infância, da minha mãe indicando o que fazer com um simples olhar, de como tinha medo de mentir mesclado com a vergonha pela possibilidade dela descobrir a verdade e deixar de confiar em mim. Lembrei disso e do muito que o mundo vivido me presenteou.
Caro leitor, na sua infância, também sabias que as coisas aparecem escritas na testa quando a criança fala com a mãe? Algum dia foste tentado a falar com sua mãe com a mão grudada na testa? E agora, o que fazes com as mãos quando contas inverdades?